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ARTIGO: A SAÚDE E AS SANTAS CASAS
21/09/2022

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA - Advogado, Integra a Mesa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Reli o livro-pesquisa do padre italiano Antonio Puca, da ordem de São Camilo, As Santas Casas de Misericórdia de Florença a São Paulo, a epopeia da caridade. Surpreendeu o padre Puca a fundação da Santa Casa de Olinda e logo depois de Santos, Salvador e São Paulo. Misericórdia deriva do latim miseris codare. E os miseráveis são as pessoas que de um modo ou de outro encontram-se em necessidade. As mais recentes pesquisas identificam as raízes das misericórdias nas primeiras sociedades romanas que tinham inspiração religiosa na manifestação civil.

Na busca das origens das Santas Casas, o autor foca Florença e Lisboa, onde encontra as raízes da irmandade fundada por São Pedro Martir, em 1244, e a fundada pela rainha Leonor de Lancastre, em 1498, em Lisboa. Destaque para as dificuldades financeiras cíclicas permanentes de todas elas. As causas são coincidentes: maiores responsabilidades e menores aportes financeiros. A Misericórdia de Lisboa (1851) passou por grave crise financeira e diversas medidas foram implantadas. Em síntese, "mais rigor no controle das despesas e na fiscalização das obras; e prestação de contas ao governo". 

Simultaneamente, em face da aplicação das leis de desamortização, a Misericórdia de Lisboa viu-se obrigada a vender parte significativa dos bens imobiliários e aplicar o produto da venda em títulos do Tesouro. Vítimas de falta de interesse crônica para com a saúde pública, elas sobrevivem graças aos esforços daqueles que trabalham nelas e ao trabalho voluntário de membros das comunidades locais. Seus dirigentes tentam conciliar as diferenças entre o alto custo da medicina moderna e os pagamentos simbólicos frequentemente atrasados, buscando renda atendendo clientes privados e economizando com sua própria produção de alguns remédios, alimentos, caixões e outros bens.

Muitas vezes, o provedor deve lutar, incansavelmente, com as autoridades, para conseguir o pagamento de impostos devidos a seus hospitais. As Misericórdias costumavam receber doações, sendo incluídas em testamentos privados, uma tradição que praticamente desapareceu com a instituição de planos de saúde oficiais e privados. 

No Brasil, nem todas as realidades atingem o mesmo padrão, mesmo por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), do qual depende a maior parcela de recursos para sua gestão. Compreende-se que as Santas Casas de um estado ou as das periferias são penalizadas em relação às existentes nos grandes centros urbanos. Daí, a urgente necessidade de uma profunda reforma na direção da subsidiariedade. Os milhares de Santas Casas de Misericórdia brasileira somam dois terços dos leitos hospitalares no país. Elas também têm servido para o ensino médico. 

O relevante papel dos hospitais filantrópicos sinaliza as urgentes e inadiáveis providências que precisam ser tomadas pelo poder público: renegociação de suas dívidas, reposição parcial ou total das dívidas das perdas acumuladas, revisão e adequação da tabela do SUS e oferta de linhas favorecidas. 

É cada vez mais urgente a revisão das políticas públicas da saúde para evitar a repetição da crise que o Conselho Federal de Medicina chamou de "mais um episódio dramático na história da saúde pública brasileira". Crise que pode se agravar com a pressão dos milhares de pacientes que estão abandonando os planos de saúde em razão dos custos e da crise econômico-financeira conjuntural e queda da qualidade no atendimento particular, e que engrossou as filas das portas estreitas da rede pública de saúde. "A humanidade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja" (Miguel de Cervantes).

 

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