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DEMÊNCIAS VÃO PÔR EM XEQUE SISTEMA DE SAÚDE
03/06/2019

Hoje, as doenças cardiovasculares e o câncer são as que mais impactam os países. Mas isso mudará até 2050

Entrevista com

Rubén Torres

 

Demência

O especialista argentino Rubén Torres, reitor da ISalud Foto: Casa Produtora/FNPI

CARTAGENA / COLÔMBIA. Assim como a Previdência, o sistema de saúde brasileiro também pode entrar em colapso se o País não se planejar para o envelhecimento da população. Segundo o médico argentino Rubén Torres, reitor da Universidade ISalud da Argentina e ex-consultor da Organização Panamericana de Saúde (Opas), o fenômeno assusta porque está ocorrendo de forma muito mais rápida nos países da América Latina. Mas esse não é o único problema a ser enfrentado pelos governos da região. “Há uma grande ameaça que são as doenças mentais, que vão constituir, até 2050, provavelmente um dos três maiores grupos de enfermidade na nossa região. A demência, como Alzheimer, vai colocar em xeque os sistemas de saúde”, declarou Torres ao Estado, após participar de um curso para jornalistas em Cartagena, na Colômbia.

Qual é a diferença entre a transição demográfica que vivemos na América Latina da observada na Europa anos atrás?

A questão está na velocidade do processo. Na França, por exemplo, ele durou 115 anos. Quando falo em processo de transição, quero dizer o tempo que demorou para que a população maior de 60 anos dobrasse. Na maioria dos países europeus, se passaram mais de 80 anos. Na América Latina, esse processo está acontecendo com maior velocidade. Nos casos de Colômbia, Brasil, Chile, esses processos vão oscilar entre 20 e 30 anos. E isso abre dois desafios: um nos sistemas previdenciários e outro nos sistemas de saúde. Por isso eu faço a alusão de que os países europeus tiveram a possibilidade de crescer e se fortalecer economicamente e foram antes ricos e depois velhos. Já os nossos países, pelas dificuldades e a velocidade de crescimento econômico, muito provavelmente vão terminar a transição demográfica sendo velhos antes de tornarem-se ricos. E isso é um grande desafio.

Temos atualmente no Brasil o debate sobre a necessidade da reforma da Previdência. Mas não vemos o mesmo nível de discussão sobre as mudanças necessárias no sistema de saúde...

Essa situação de dar mais importância à Previdência do que aos problemas sanitários é bastante comum em nossos países, onde a saúde não está tanto na agenda política. Como a Previdência tem um impacto forte no gasto público, isso põe em alerta os países.

Quais serão os principais impactos que teremos nos sistemas de saúde com o envelhecimento da população?

Hoje são as doenças cardiovasculares e o câncer. Mas há uma grande ameaça que são as doenças mentais, que vão constituir, até 2050, provavelmente um dos três maiores grupos de enfermidades na nossa região. A demência, como Alzheimer, vai colocar em xeque os sistemas. E digo que vão pôr em xeque porque a maioria dos sistemas de saúde tem dado muito pouca importância ao tema da saúde mental. Foi sempre um tema muito marginal. A preparação é muito importante.

Como deve ser a preparação?

Primeiro, temos de mudar o modelo de atenção. Nós temos um modelo de atenção dirigido a uma população que tinha doenças agudas, que requeriam internações. O futuro é de cuidados permanentes e de acompanhamento dos pacientes. Isso vai implicar em instalações diferentes, um médico preparado de maneira diferente e um sistema diferente.

E o que podemos fazer desde agora para minimizar o impacto?

Avançar na implantação da atenção primária, gerar cuidados contínuos e aumentar fortemente a prevenção de riscos, que esquecemos por muito tempo. A maioria das doenças que hoje afeta em volume a América Latina pode ser prevenida. Muitos tipos de câncer poderiam ser evitados com controle do consumo do tabaco, álcool, gorduras trans, açúcar, que também são fator de risco para as doenças cardiovasculares. A prevenção tem um papel muito decisivo e temos uma dívida na maioria dos países.

QUEM É

Rubén Torres é reitor da Universidade ISalud da Argentina. Médico cirurgião, especialista em Gestão de Políticas Sociais e mestre em Sociologia, já atuou como consultor da Organização Panamericana de Saúde (Opas).


Fabiana Cambricoli, O Estado de São Paulo