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Epidemia de zika expõe penúria dos laboratórios públicos

A epidemia de microcefalia que atinge a região Nordeste está expondo para o mundo mais uma faceta vergonhosa do país: a penúria dos nossos laboratórios públicos. 

 

Pesquisadores do CDC (Centro de Controle de Doenças) que estiveram no Brasil para colaborar as investigações elogiaram as equipes técnicas, mas disseram estar "com pena" com as condições dos laboratórios dos Estados.

 
Até falta de reagentes (substâncias usadas para provocar as reações químicas necessárias para as análises) os laboratórios enfrentam. Funcionários chegam a fazer vaquinha para continuar com as pesquisas. E o problema não é só no Nordeste. Pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, também relataram situação parecida meses atrás.
 
Não sei se isso explica essa demora (ou parte dela) para o desenvolvimento de kits de diagnóstico para o zika no sistema público. A rede privada saiu na frente. O laboratório Hermes Pardini já oferece o teste para o vírus zika, a R$ 500. O Fleury deve começar a oferecer o exame em até dez dias. O preço ainda não foi definido, mas deve ficar em torno de R$ 300.
 
Na rede pública, o Adolfo Lutz está desenvolvendo o teste que, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, estará pronto "nas próximas semanas". Enquanto isso, resta o diagnóstico clínico, por meio dos sintomas, o que é impreciso dado que os três vírus que circulam no país (dengue, zika e chikungunya) têm sintomas iniciais muito parecidos. Até agora, os poucos testes feitos foram pelo método RT-PCR, que busca identificar o material genético do vírus no sangue ou em outros tecidos do doente. Mas é caro, demorado e restrito a situações muito específicas.
 
Ainda há muitas pontas soltas nessa associação entre o vírus zika e os casos de microcefalia. Não há dúvida de que a relação é muito forte, mas falta muita coisa para que a relação de causa e efeito seja de fato estabelecida.
 
Não sabemos, por exemplo, qual o percentual de grávidas infectadas pelo vírus e, dessas, qual a taxa de bebês que vão apresentar microcefalia. Como diz o médico Luis Correia, especialista em evidência científica, há muitas coisas no mundo que coexistem e nem por isso fazem algum sentido. Veja aqui algumas dessas correlações absurdas aqui.
 
Sabemos que também que há muito viés de notificação. Agora que o foco é a microcefalia, é óbvio que haverá mais notificações de casos. É bom lembrar que só no mês passado a má-formação passou a ser de notificação compulsória. E até o momento o vírus foi encontrado em apenas três dos 1.248 casos investigados.
 
Em se tratando de ciência, é muito pouco. Não temos ainda nem o básico para estabelecer essa relação de verdade, que seria um grupo com microcefalia ter maior prevalência do vírus no líquido amniótico do que outro grupo sem microcefalia. Mas falar sobre rigor científico num momento de histeria coletiva como esse parece coisa de maluco.
 
Faz total sentido a mobilização em torno do aumento de casos de microcefalia. É uma situação inédita e muito grave. Mas comprovar de fato essa relação do zika com os casos de má-formação precisa estar entre as prioridades máximas, ao lado das ações de combate ao mosquito Aedes aegypti e do diagnóstico e assistência multidisciplinar aos bebês com microcefalia.