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Paulo Candelaria e Igor Polonio: A Santa Casa pede ajuda
11/05/2015

A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo passa por uma crise sem precedentes em seus 431 anos de história. O maior hospital filantrópico da América Latina, patrimônio da cidade, agoniza.
 
A crise foi deflagrada em julho do ano passado, quando o provedor Kalil Rocha Abdalla fechou o pronto socorro do Hospital Central, alegando falta de material para atendimento dos doentes. O Ministério Público ordenou que o serviço, responsável por receber 1,5 mil pessoas por dia, fosse reaberto. Isto aconteceu após 36 horas.
 
Depois de o provedor declarar que o Ministério e as Secretarias de Estado e Municipal da Saúde eram responsáveis pela dívida contraída, uma auditoria externa na gestão da entidade foi solicitada pelo secretário de Estado de Saúde David Uip.
 
O resultado demonstrou que o rombo era muito maior do que o declarado, chegando próximo ao patrimônio da Irmandade. Desde quando Kalil assumiu a provedoria pela primeira vez, em abril de 2008, até abril de 2014, quando começava seu terceiro mandato, constatou-se que ele aumentara de R$ 80 milhões para aproximadamente R$ 800 milhões. Insolvente, a Santa Casa corre o risco de fechar suas portas, e para sempre.
 
O atual Hospital Central nasceu da união de 310 irmãos, que doaram uma fortuna com o firme propósito de exercer a caridade, a misericórdia e a assistência aos enfermos. Até a década de 1950, grande parte da sua receita era advinda de doações dos mais diversos segmentos da sociedade.
 
Nele, formaram-se os primeiros médicos e cirurgiões do Estado de São Paulo, tendo sido o berço das três melhores faculdades de medicina do país, a da USP, a da própria Santa Casa e a da Unifesp, a Escola Paulista de Medicina.
 
Reconhecido nacionalmente pelo desenvolvimento de pesquisas técnico/científicas, o hospital possui um dos maiores serviços de captação de órgãos e tecidos do mundo. É referência nos atendimentos de Ortopedia, Pediatria e serviços de alta complexidade, como Neurocirurgias e Transplantes.
 
A pergunta que fica: o que levou esta instituição à beira da falência? Como uma dívida milionária foi contraída em tão pouco tempo?
 
O Ministério Público alega que durante a gestão de Kalil, a Santa Casa recebeu dos cofres públicos muito além do que gastou com pacientes (os atendimentos voltados ao SUS representam 95% de seu orçamento anual, que é de cerca de R$ 400 milhões).
 
Ainda, segundo o Ministério Público, há fortes indícios de tráfico de influência, nepotismo, enriquecimento ilícito e irregularidades nos contratos de diversos serviços do complexo hospitalar.
 
Inconformados, médicos e funcionários (além de não terem recebido o décimo terceiro, que está sendo negociado em 36 vezes, 8% deles não receberam sequer o salário de novembro) se uniram em dezembro de 2014 para exigir a imediata renúncia de Kalil e eleição de um novo provedor. Assim nasceu o Movimento Santa Casa Viva (MSCV).
 
Dia e noite, durante cinco meses, lutamos por reforma imediata e modernização da estrutura e da administração da entidade, alteração no Estatuto da Misericórdia –documento antigo, que não compreende a realidade e as possibilidades do século atual–, transparência no processo de gestão e, sobretudo, que os profissionais que nela trabalham conquistem o respeito perdido.
 
Na tarde do dia 16 de abril de 2015, festejamos nossa primeira vitória. Quando completava um ano da terceira gestão, depois da Justiça pedir a quebra dos sigilos bancário, fiscal e dos cartões de crédito de Kalil, de sua mulher e filho, bem como de mais 19 pessoas físicas e jurídicas ligadas à direção da Santa Casa, o provedor finalmente pediu renúncia do cargo.
 
A saída do Dr. Kalil, no entanto, está longe de ser o fim dos problemas que a Irmandade atravessa, resultado de anos de má gestão e corrupção que levaram ao caos administrativo. A luta continua.
 
Recentemente, celebramos mais uma conquista. Os irmãos mesários se reuniram e decidiram aceitar parte das mudanças sugeridas, como a inclusão de cinco novos membros no grupo, todos de confiança de José Luiz Egydio Setúbal, nome mais cotado para assumir a liderança da Santa Casa. Também marcaram eleição para provedor em 60 dias
 
O Dr. Setúbal, médico pediatra que comanda o Hospital Infantil Sabará, herdeiro do Banco Itaú e membro do Conselho de Irmãos (formado por 500 notáveis da cidade de São Paulo), aceitará o desafio com uma condição: que a sociedade civil e as instâncias governamentais (federal, estadual e municipal) se unam para garantir aporte financeiro e, consequentemente, a governabilidade da instituição.
 
Caso contrário, a Santa Casa não terá salvação. E isso é inaceitável.
 
Se por um lado as bases administrativas / financeiras estão comprometidas e precisam de reforma urgente, por outro, o atendimento prestado pela Santa Casa permanece vivo e sólido, resultado da tríplice competência profissional em termos de atenção humana, eficácia técnica e caridade com o próximo.
 
PAULO CANDELARIA, médico, é representante do Movimento Santa Casa Viva - MSCV
 

IGOR POLONIO, médico, é presidente da Associação de Médicos da Santa Casa - AMESC

Fonte: Folha de S. Paulo